'Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes! E eu acreditava. Acreditava porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis'

13 maio, 2007

Despedida



"Eras tu a ficar por não saberes partir,
E eu a rezar para que desaparecesses,
Era eu a rezar para que ficasses,
Tu a ficares enquanto saías."




Uma mala cheia de um lado. Pilhas de livros e CDs do outro. E as memórias e os cheiros a ficarem. E eu a ficar.
(Deve ser isto aquilo que chamam de purgatório. De limbo. De nada.)
E tu a ficares. E por isso a partires.


(Foto: katia chausheva)
(Excerto: Toranja)

21 comentários:

Bruna Pereira Ferreira disse...

Esta música mata-me e nem sei que dizer.

Abraço.

Anónimo disse...

Sem saber muito bem o que dizer, porque de partidas e ausências se faz a minha vida também, deixo-te aqui um poema que me deixa sempre a pensar nesse amor tão grande que ultrapassa todas as barreiras:

No sorriso louco das mães batem as leves gotas de chuva. Nas amadas caras loucas batem e batem os dedos amarelos das candeias. Que balouçam. Que são puras. E as mães aproximam-se soprando os dedos frios. Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões e órgãos mergulhados, e as calmas mães intrínsecas sentam-se nas cabeças filiais. Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado, vendo tudo, e queimando as imagens, alimentando as imagens, enquanto o amor é cada vez mais forte. E bate-lhes nas caras, o amor leve. O amor feroz. E as mães são cada vez mais belas. Pensam os filhos que elas levitam. Flores violentas batem nas suas pálpebras. Elas respiram ao alto e em baixo. São silenciosas. E a sua cara está no meio das gotas particulares da chuva, em volta das candeias. No contínuo escorrer dos filhos. As mães são as mais altas coisas que os filhos criam, porque se colocam na combustão dos filhos, porque os filhos estão como invasores dentes-de-leão no terreno das mães. E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos, e atiram-se, através deles, como jactos para fora da terra. E os filhos mergulham em escafandros no interior de muitas águas, e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos e na agudeza de toda a sua vida. E o filho senta-se com sua mãe à cabeceira da mesa, e através dele a mãe mexe aqui e ali, nas chávenas e nos garfos. E através da mãe o filho pensa que nenhuma morte é possível e as águas estão ligadas entre si por meio da mão dele que toca a cara louca da mãe que toca a mão pressentida do filho. E por dentro do amor, até somente ser possível amar tudo, e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

Herberto Helder

Para além dos cheiros e das memórias, fica o amor. E escreve-se assim um passo em frente: mais um mergulho teu na vida. :)

Beijinho grande*

[ E desculpa o comentário enoooooorme, mas teve de ser! :D ]

Andreia disse...

Vanessa,

sim, as mães são silenciosas. É desse silêncio que sinto falta agora. E do "boa noite" na cabeceira, da presença quieta, do sorrir ao chegar a casa. Sinto-me vazia... é isso, sinto-me vazia.

Mas sim, espero que seja um passo em frente. Porque se não for, posso sempre voltar atrás, espero...

(Eu gosto de comentários grandes. Aliás, gosto de grandes comentários, como este:) )

Beijinho e obrigada também pela tua presença!

s. disse...

a foto é para mim assustadora. se não tivesses colocado ai a autora eu diria que a pessoa nessa foto é uma amiga minha porque é igualzinha.

Andreia disse...

S.:

:) É como eu estou... assustada...
Mas olha que o mundo é muito pequeno. Quem sabe se não é a tua amiga ;)

Beijinho!

Anónimo disse...

Mis um daqueles que tu gostas:

Nunca se cresce sem se sentir que se está atrasado em relação a, pelo menos, um desejo. E sem passar pela berma de inúmeros desgostos. Não se cresce à margem dos remorsos (que, para mais, resultam da distância que vai entre tudo o que sonhámos e aquilo que, sobretudo, nunca deixou de ser um sonho). É claro que persiste, em todos nós, uma aragem mais ou menos agreste quando se olha (de soslaio que seja) para trás. Fica sempre tanto por fazer!... E fica, às vezes, esta tentação de «começar de novo» ou de «mudar de vida» (que é tudo o que alguém imagina ao colorir, de rabisco em rabisco, o seu destino, quando não vai à procura de quem o resgate a um mesmo lugar). É verdade que, logo que se olha para trás, se vê mais longe. Mas é, também, verdade que não há como crescer fazendo que o futuro seja lá atrás. Crescer não é deixar de se caber - disfarçado - debaixo dos lençóis. Nem ficar encolhido na cabana, onde, antes, se estava à larga e esparramado. Crescer é, para muitas pessoas, descobrir que nem sempre que se constrói um tecto se conquista uma casa. Não se cresce quando se transforma os espaços da nossa infância na casa dos nossos pais (muito menos se, entretanto, não se encontrou um lugar melhor, mais soalheiro e mais macio). A casa não é bem um espaço. Nem um conjunto de recantos, de histórias ou de aconchegos. Nem, sequer, o nosso mundo. Mas, sendo assim, suponho que a maioria das pessoas tenha uma casa... e viva sem abrigo. Talvez o crescimento seja um rio que tem como margens o desejo e o desgosto (como, noutro dia, alguém me disse). E talvez haja quem ligue as duas margens. Os amigos, por exemplo. Alguns projectos especiais, quem sabe?!... Mas somente as pessoas que nos sentem como a sua casa ligam mais fundo as duas margens do que o rio que, por vezes, as separa. Assim o tornam navegável. A casa não é bem um espaço. Nem um conjunto de recantos, de histórias ou de aconchegos. Nem, sequer, o nosso mundo. Mas há pessoas que inventam recantos, constroem histórias e enlaçam aconchegos. E se transformam, de surpresa, no lugar de onde, mal chegados, nunca gostaríamos de ter saído. Chegam-nos a nós como estrelas contrafeitas. (Eu tenho para mim que as estrelas nunca saem do céu sem que esmoreçam ou, até, se apaguem. A não ser aquelas que nos dão uma luzinha, sempre que sobram remorsos e desgostos, e logo outra, sempre que nos guiam pelo desejo. São as estrelas contrafeitas). Vivem de coração descalço. E - como mais ninguém - sabem que a nossa casa não é bem um espaço, um esconderijo (debaixo dos lençóis), uma cabana na árvore, todos os espaços da nossa infância que se transformaram na casa dos nossos pais, ou um abrigo. A nossa casa é o coração que (sobre todas as suas divisões) nos guarda a melhor de todas as mansardas.

[ Eduardo Sá ]

:)

Beijinhos*

Andreia disse...

"Nem sempre que se constrói um tecto, se conquista uma casa"

:) Sim, gosto cada vez mais deste senhor.

Beijinho grande!

Anónimo disse...

Prometo que este é mesmo o meu último comentário a este post... :p

Moro numa casa inacabada
feita de terra molhada
com o céu às cavalitas
Entra, mas desculpa a confusão;
anda tudo pelo chão,
não contava com visitas

Comigo mora gente tão diferente
que às vezes, pontualmente,
só falamos por sinais;
Cada um tem na sua bagagem
um bilhete de passagem
pelos pontos cardeais

Na sala, uma velha cartomante
lê ao cavaleiro errante
um destino vencedor;
As cartas falam de perdas e danos
Para, no correr dos panos,
encontrar o seu amor

Ao fundo, dorme um soldado sisudo
com umas botas de faz-tudo
e uma paixão de aluguer;
O bêbado que está no quarto ao lado
chora sempre em tom de fado
o amor de uma mulher

Aquela que tem o corpo na esquina
diz que também foi menina
Há-de um dia ser feliz
O homem que a usou pelos quintais,
como é norma entre iguais,
compreende o que ela diz

Em cima fica o quarto dos amantes,
dos poetas, viajantes
e dos loucos sem lugar;
Pintaram um baloiço na janela
com a luz de uma aguarela
para a Lua baloiçar

Assim somos vizinhos de outras crenças,
de outros livros e sentenças
Outras formas de oração;
Mas quando a noite traz os seus momentos
escapa destes aposentos
um bater de coração

Revela-se a verdade nua e crua:
Chove mais do que na rua
Trago o fato ensopado
Aqui qualquer um é vagabundo,
esta casa é todo o mundo
Falta só pôr um telhado


João Monge

CNS disse...

Olá Andreia
Lindo.Mesmo.

Andreia disse...

Obrigada Cristina e bem vinda :)

CNS disse...

Obrigada...

Beatriz disse...

Em sintonia. As partidas, aquelas que são irremediáveis, que acontecerão mais cedo e mais tarde... são as piores. E, vendo bem, são quase todas. Tudo é demasiado precário. E mesmo assim senti-las dá-me um medo desgraçado...
Por isso te digo... em sintonia.

abraços

o alquimista disse...

Os teus pés são navegantes na espuma, o teu cabelo dança em descuidada ironia, suave viagem de ondulante onda em tua boca, duas sílabas sopradas em mágica melodia…

Bom fim de semana

beijo

mitro disse...

É demasiado fácil encontrar... o desencontro!

Miss T disse...

tão difícil ficar, tão difícil partir...

joão marinheiro disse...

Tu não sabes, claro, mas a palavra aflige-me. Não gosto de despedidas, e elas estão sempre em nós como uma farpa que sangra...
As tuas palavras fazem-me lembrar algo que escrevi, "As costas da mão", existem sempre livros e cds...

Abraço enquanto tento saber o mar

Inês disse...

***

Inês disse...

***

Anónimo disse...

Gosto da verdade num prato vazio de amor

Por entre o luar disse...

É muito triste quando temos que nos despedir de alguem, quando como tu dizes rezamos para a pessoa que esta a sair fique... e realmente as pessoas vao ficando enquanto saem...é triste termos de soltar as ultimas lagrimas, as da despedida...
Mas devemos sempre agarrarmo-nos a essas coisas daqueles que foram, essas coisas que permanecem em nos:)

Gosto dos textos que postas:D

Bj*

Andreia disse...

Sim, permanecem para sempre. Mas o pior é que, normalmente, as últimas lágrimas não são as da despedida...

Obrigada pelas palavras e bem vinda :)

Beijinho

Arquivo do blogue