.....há muito que a hora de jantar já passou, por isso eu na sala escura, a janela preferida da casa aberta porque a chuva cai com força lá fora. parece destruir tudo. costumava gostar desta janela em dias assim, sentia-me feliz ao ver a água a cair no muro baixo em frente, ao imaginar o mar bravo atrás, perto. hoje sinto-me cansada deste Inverno. sinto falta do sol, dos dias compridos, das noites quentes, do tempo que não escasseava, como não escasseava o entusiamo. das tardes de Agosto que passei contigo. de uma em especial, a primeira.
eram umas duas e meia da tarde de um dia quente quando me foste apanhar à estação. lembro-me que chegaste uns minutos atrasado e logo o telemóvel a tocar e tu a pedires desculpa. eu a dizer não faz mal. e não fazia. dava-me tempo para respirar. para pensar nas exactas palavras que te diria quando te visse. depois chegaste, vi-te, entrei no carro e beijaste-me. e eu e o meu vestido vermelho sem saber o que dizer e o que fazer, apesar de tudo pensado, bem medido, planeado. mais tarde veio o jardim, uma ou duas exposições, tu a dizeres que a nossa casa seria tão cor-de-rosa como a de uma fotografia que lá estava. a nossa casa. eu só a ouvir a nossa casa. e a rir-me. meu deus, como me fazias rir! e a pensar que de certeza desaparecerias nos próximos dias, já estava a ter a minha dose de felicidade. depois abraçavas-me em todos os cantos, ainda mais quando estávamos sozinhos. parecíamos dois adolescentes. temos que sair daqui, fartávamo-nos de repetir. e entretanto contavas histórias das tuas viagens e eu pensava que gostava de te ter conhecido desde sempre, saber de todos os teus passos, como era a tua voz em criança, a que brincavas no jardim da escola, quantos gafanhotos apanhaste, se tiveste medo do escuro e se te escondias como eu dentro de um guarda-fatos velho à procura de aranhas. e, aos ouvires as minhas, fingias ficar horrorizado com as galinhas que depenei na eira da minha avó, com os pescoços cortados, os ovos tenros que comíamos depois. o teu corpo a fingir que se afastava, tu a dizeres-te assustado, para logo de seguida te aproximares. se eu ainda não te amasse na altura, teria sido aí que começaria: sob o céu azul de Agosto, bem distante já deste Inverno que por mais que eu faça, parece não se desentranhar de mim.
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